Já quase há uma semana que a comida era berças com algum sal, até o peito lhe começava a faltar para o mais pequeno. Tinha sido um ano maldito, a reca tinha sido comida pelos ciganos; de um dia para o outro começou a andar e a cair, até que uma manhã deu com ela morta.
“Que tinha malina e que não se podia comer…”, lá foi enterrada; passadas duas semanas os caldeireiros desenterraram-na, encheram-se de chicha e parece que nenhum morreu.
A horta, pequena e sem água, pouco deu. O homem não trabalhava; havia muita gente e pouco trabalho. Algum, só na “casa grande” e aí não era para todos.
Já o tinha feito, diziam que era de família; já a mãe dela também tinha alguma fama e para bem dizer, ela também. O seu homem gostava mais de vinho e por vezes quem ficava a pão e água era ela.
Sabia onde parava o feitor! Ao fim da tarde, na Veiga, por detrás de uma casota a ver onde dormiam os estorninhos.
Vestiu uma saia mais apertada e um avental por cima, que a língua do povo é mais afiada do que a faca de matar os recos do Três C’roas. Deu um jeito ao cabelo e ala.
- Vou à minha tia a ver se nos arranja dois ou três ovos.
O homem nem ouviu.
À porta do tio Arnaldo viu-o lá ao fundo, no sítio do costume. Tirou a bata e compôs a saia.
Ao passar, logo viu o que ela queria.
- Ermelinda, entra na casota.
Não era a primeira vez…
- Isso era o que você queria, mas o meu homem deixou de cá trabalhar!
- Oh rapariga! Quem manda é o patrão.
- Isso é para alguns! O Romariz tem lá andado sempre e o meu está em casa.
- O Romariz ajeita-se com os bois, e o teu nem por isso.
- Lérias, o meu já andou com eles mais do que uma vez.
- Entra na casota e logo se vê!
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Com as mãos sacudiu algumas palhas que tinha no cabelo, alisou a saia.
- Ele que vá pegar amanhã.
- Onde?
- Diz-lhe que é naquela terra onde andam sempre muitos pássaros, que lhe chamam as Lavandeiras, ali para o Prado.
- Amanhã voltas para a casa grande, o feitor viu-me passar e deu o recado para ires para uma terra que diz que tu conheces ali para o Prado, uma que tem muitas lavandeiras.
- Já sei, esses pássaros andam sempre atrás da charrua, à procura da bicharada. Tu, realmente, és danada! Ainda aqui atrás fui ter com ele - “que este ano não podia meter mais ninguém” - e agora diz-te isso?
- Sei lá! Se calhar precisou.
Tirou a teta para fora para o filho mais novo mamar e pareceu-lhe que não era muito parecido com o pai.
Encolheu os ombros.