Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

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Marco

MARCO

A terra ainda estava fresca, até as testemunhas (1) estavam de pernas para o ar, via-se que o trabalho tinha sido feito de noite.

Enganava-se se pensava que ia ficar assim, aquela embelga tinha sido sempre motivo de discórdia, mas lá tinham chegado a acordo com o Fagundes velho. Mas agora tratava-se do farçola do filho, que pensava que enganava toda a gente. Estava bem enganado!

Ainda esteve para o pôr logo no sito, mas pronto, foi falar primeiro com ele.

- Mexeste no marco da terra do cereal!

- Mexi! O meu pai sempre me disse que era ali o lugar dele.

- Já cá não está para lhe perguntarmos, mas como viste, o marco já ali está há muito tempo, ainda o teu pai era bem vivo.

- O marco é ali, sempre foi!

- Não, não foi!

- É ali que fica!

- Não fica não!

- Se o mudares, volto-o a pôr no mesmo sítio!

- Pergunta ao teu tio Marcolino, que ele foi testemunha, quando o teu pai concordou que ficava aqui.

- Não tenho nada que perguntar, sei que o meu pai disse que era aqui.

- És teimoso, não queres ver as coisas como são.

- À tua maneira!

- Não, à maneira que está certa! Vou por o marco no lugar dele e não lhe tocas mais.

- Vamos ver.

O Amândio rodou para casa a pensar no assunto. “- Este é teimoso, vou ter encrenca com ele “. A Engrácia, que o conhecia de ginjeira, notou-lhe uma perturbação na cara.

- Tu que tens, homem?

- Nada!

Dormiu e manhã cedo, sacho às costas, o tempo estava de trovoada, marco arrancado e colocado no mesmo sítio.

A trovoada desabou, abrigou-se debaixo do tronco de um castanheiro junto ao marco, os alustros e a água metiam medo; até parecia que adivinhava tragédia. Nisto, o figurão também de sacho às costas.

“- Já sei o que vens fazer.”

Nem o viu e apesar do aguaceiro infernal, começou a cavar de volta do marco. Quando tinha o sacho no ar, parece que atraiu o alustro, correu pelo sacho abaixo e atirou com o filho do Fagundes para longe, ainda o ouviu gemer. Deixou a encrenca e correu para junto do corpo. Deus seja louvado, estava esturricado, parecia um reco quando se lhe queima o pelo na matança, nem a cara lhe reconhecia.

- Onde foi?

- Junto ao marco!

- Que estáveis a fazer lá na terra?

- A enterrar um marco, tínhamos acordado o sítio e estávamos a pô-lo lá.

 “- Deus escreve direito por linhas tortas!”

Mas tinha-lhe dado jeito e mais valia ficar assim.

 

(1) - Testemunhas (do marco) – duas pedras encostadas à esquerda e à direita do marco, que completavam a função deste.