Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

(lire en français)

Lamela Seca

Já diziam os antigos que era o maior e o mais velho castanheiro que alguém tinha visto:

… Que as variedades da castanha eram a lamela, castanhas maiores que as das outras variedades, a longal e a judia…

… Que teriam existido muitos, mas só este resistiu…

… Que teria chegado a dar mais de trinta sacas de castanhas, mas que veio uma malina, que ninguém sabe como, e que secou…

Mas alguém conhecia o terrível segredo…. Andava o povo roto e cheio.

E a ela que lhe importava?

A mãe bem a avisou:

- Rapariga, olha que o povo fala!

- E a mim que me importa? Deixe-os falar!

O pai nada dizia. Abafado do mal que trazia nas entranhas, mal respirava. A mulher bem lhe punha os pegões, o chá de urtigas estava sempre à mão; mas ele, arreliado com a vida, dava mais trabalho à torneira da pipa.

Na vindima do Fermentões, dobrada sobre a videira, procurava a uva quando o olhar se cruzou com o dele, notou logo naquele olhar a vontade. Durante o resto da vindima, de soslaio, via os olhos que ele lhe deitava, riu-se por dentro.

Tudo aconteceu na malhada do Manuel Maria. Ele trazia-a debaixo de olho e ela aceitava os avanços dele.

Malhada acabada, todos foram deixando a eira nos diversos afazeres da arrumação, carga de cereal e palha. Aduzinda tinha ficado a varrer a eira. O cosco espesso em nuvem no ar, sufocava vista e garganta; só o vinho livrava as goelas da secura provocada e Ludgero tinha o odre cheio dele. Estendeu-lhe a pechorra em jeito de pedido, estava vazia, e ela avançou para a fontela, no meio dos negrilhos.

Ainda fingiu alguma resistência, mas o cansaço e alguma curiosidade deixou-a vulnerável. Prazer, não sentiu. Depois de aliviado, Ludgero levantou-se e desapareceu sem um olhar sequer. Aduzinda ali ficou, mal deitada, desajeitada e com pouco discernimento do que lhe tinha acontecido.

Só desconfiou quando sentiu o peito mais duro e alguns enjoos. As blusas e saias largas não deixavam que a suspeita surgisse; também, nada lhe disse, ele era casado e pai de filhos e verdade seja dita, ele nunca mais a procurou.

Foi na monda do Parracho que sentiu as pernas húmidas, a barriga implorava a libertação do peso. Com a desculpa de ir a campo, embrenhou-se no meio do souto. O tronco oco do enorme e velho castanheiro tinha uma abertura para onde se arrastou; deixou-se escorregar até ficar meia deitada, sentiu que dentro dela algo queria sair. Abriu as pernas e sentiu que algo gelatinoso por elas escorregava. Sem saber o que fazer, levou-a o instinto a empurrar o que tinha dentro dela.

A angústia da aparição de alguma companheira pela demora e a descoberta, fizeram com que a força fosse redobrada. A transpiração era abundante, toda ela era água, mas finalmente sentiu o alívio da projeção para o exterior. Não ouviu qualquer choro. Com esforço, conseguiu ver que um cordão a ligava ao que tinha saído. Nada tinha para se libertar dele. Num esforço hercúleo, conseguiu chegá-lo à boca e com os dentes cortou o cordão. Com todo este esforço, caiu de costas e o que dela tinha saído caiu na terra crua.

Tinha que regressar à faina o mais rápido possível! Cobriu tudo com os rebentos do próprio castanheiro e regressou à monda.

A demora longa, sem o patrão se aperceber, foi motivo de brincadeira.

- Ó rapariga! Cagaste algum arado!

Todas se riram.

Aduzinda, com as entranhas doridas e feridas, esboçou um sorriso, ainda adormecida e sem entender bem o que tinha acontecido.

Deixou que a mãe adormecesse. O pai, com a esgana a afligi-lo, não dava por nada. Noite de luar, escapuliu-se pela horta, a cabeça ia coberta pelo xaile.

Estalava de contradições: o pecado levava-a diretamente para o inferno, a verdade levava-a para a perdição e a desonra. Se o arrependimento matasse, já estava morta.

Tudo estava como tinha deixado. O luar dava-lhe boa visão, remexeu com carinho no corpinho ensanguentado e sujo. Estava gelado!

“- Nasceu morto”, pensou, “nada podia ter feito.”

Foi um breve consolo para o ato cometido. Mas a dúvida instalou-se:

“- Teria mesmo nascido morto?”

O momento era difícil, mas a aspereza da vida obrigou-a a lançar com convicção o sacho sobre a terra e esconder o fruto do ato hediondo que tinha cometido.

Dizem que foi tal a miséria a que assistiu a majestosa árvore, que, ao sentir o sangue inocente na seiva que a alimentava, mirrou de compaixão e acabou por secar.