Lendas e Historias

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A Gestra do Mestre Alfaiate

Aqui há uns 50 anos a paisagem em Benlhevai era muito diferente, não se via um palmo de terra que n�o fosse fabricado. N�o havia portanto a fartura de lenha que hoje em dia temos, e n�o era f�cil arranjar a suficiente para acender o lume naquelas noites geladas de Inverno, ou para aquecer o forno para cozer o p�o. Num dia dum desses anos, queria a senhora Ester cozer uma fornada de p�o, e a lenha estava nos sequeiros de quem a tinha. O Ant�nio Alfaiate l� teve ent�o que meter m�os � obra e ir arranjar uns gui�os de lenha. N�o teve que os roubar, por um lado porque n�o era homem para isso, o Mestre Alfaiate era um daqueles homens �ntegros, honestos, que na altura felizmente havia muitos, e por outro porque tinha ali para a Maria Paz uma horta onde estava a um canto uma valente jestra negral. Para estes lados, Maria Paz, Maria Belida ou Fontinha, tudo se d� bem, a terra � leve, aberta e muito produtiva, � a chamada terra sairinha, onde tamb�m a fruta � mais doce, as cebolas mais macias, � tudo mais saboroso. Se as �rvores se d�o bem, as gestras ainda se d�o melhor, e como a terra n�o � apertada, em vez de v�rias ra�zes t�m uma s�, grossa, forte, um valente espig�o que vai por ali abaixo, rasgando as entranhas da terra � procura de alimento e �gua. N�o admira que se vejam para ali gestras que parecem aut�nticas �rvores. Naqueles tempos cada aldeia tinha que ser auto-suficiente em tudo, n�o havia as comunica��es que hoje h�. Ia-se � feira de Vila Flor nos 15 ou nos 28 de cada m�s, � Senhora da Assun��o no dia 15 de Agosto de cada ano, aqui �s aldeias vizinhas uma vez por outra, e aqui acabava a comunica��o com o mundo exterior. Tinha que haver em todas as terras o barbeiro (que tamb�m servia de dentista), o ferrador, o sapateiro, o alfaiate, o carpinteiro, a parteira, enfim todas as artes e todos os artistas. Ningu�m sabe bem porqu�, mas a fama de sapateiros e alfaiates, no que toca a valentia, n�o era l� grande coisa. Havia at� um dito assim: �Sapateiros n�o s�o homens, Alfaiates tamb�m n�o. Juntaram-se mil e um P�ra matar um aranh�o.� Como diz�amos, uma bela manh�, ainda antes do sol nascer, l� vai ent�o o Mestre Alfaiate ao ataque � tal dita gestra. Leva uma valente machada na m�o, um ferro de bacelar e uma picareta �s costas, e a merenda pendurada no cabo da picareta. Ainda os melros andavam a acordar a outra passarada e j� o Mestre Alfaiate tinha tirado a terra � volta da gestra com a picareta, j� lhe tinha posto � mostra a raiz. De seguida d� duas cuspidelas nas m�os, esfrega-as uma na outra com todo o vigor e entusiasmo, agarra o ferro ainda frio, e toca a picar a terra, � preciso afundar mais. Volta a pegar na picareta, com o lado mais espalmado tira a terra para fora, com o outro, o cortante, ataca a raiz da gestra, Corta dum lado, vai para o lado oposto e corta desse lado, golpeia assim a raiz a toda a volta. P�e a picareta no ch�o, d� uma tiradela � terra que est� colada � raiz, e ataca agora com a machada. D� ent�o por ela que ainda o sol n�o aquece por a� al�m e j� ele sua como um vitelo. Tira a camisola, agarra-se ao troco da gestra e tenta derrub�-la. Empurra dum lado, empurra do outro. O suor cai-lhe j� quase a fio. A gestra mant�m-se inerte, calma e serena como se n�o fosse nada com ela. �Ai sim? Pensas que brincas comigo? J� vais ver!�, diz o Mestre Alfaiate com confian�a. Recome�a o ciclo. Picareta a servir de sacho, mais terra c� para fora, a toda a volta da gestra fica um valado que j� dava para enterrar um burro. Vira a picareta e com a parte cortante volta a golpear a raiz da gestra. De seguida vem a machada, pim, pim, pim. Tira a camisa, �� desta!�, atira-se ao tronco da gestra, empurra para um lado, empurra para o outro. Nada, a gestra n�o d� sinais de querer colaborar. Atira-se novamente a ela, mais um empurr�o, mais um pux�o. Nada! O Mestre Alfaiate, afasta-se um pouco, ergue-se, limpa o suor, olha a gestra de frente, e atira com toda a solenidade: �Mas quem te diria a ti que eu sou alfaiate!...