Lendas e Historias

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Fraga dos Casados

A FRAGA DOS CASADOS

Trazia-a na lembrança dia e noite, a cabeça não lhe dava descanso. Bem rezava o pouco do padre-nosso que sabia, repetia-o até lhe doer a cabeça, mas a maldita da ideia não o largava.

A promessa que tinha feito à Srª dos Remédios dava-lhe alguma esperança, mas até lá … Depois, também não faltava quem o desanimasse, como o tio Marrazes, que na vindima, no seu jeito calmo e bonacheirão, o tinha lembrado:

- Óh rapaz, brancas p’ras brancas, pretas p’ras pretas, tu não vês?

Não era conselho que lhe agradasse, mesmo assim bem tentava tirá-la da cabeça, mas a maldita da ideia, só pra aquilo! Só pra aquilo!

Botava os ombros às traseiras do carro nas subidas, as treitouras até chiavam enquanto a aguilhada furava o couro na zona mais fina das pernas do “carapau”, as veias do pescoço inchavam do esforço e os braços tremiam, mas a cachimónia lembrava-o a todo o instante, e a maldita da ideia p’ra ali.

Todos lhe conheciam o aixe, e era motivo de brincadeira, a cachopa fazia que não via, “- era o que lhe faltava, casar com um aleijado”, mas ele não desarmava e enquanto os bois bebiam mansamente litros de água ao som do assobio, ele de esguelha mirava-a, enquanto ela, dobrada pela cintura, deitava a roupa sobre a erva para a por a corar, mas se alguém a avisava do olhar, escondia-se logo atrás dos olmos que davam sombra aos poços de lavar.

Mas eram estes pequenos momentos que lhe punham o coração aos saltos e na subida para a loje até os bois gostavam do assobio poderoso que se fazia ouvir pela rua acima.

À noite, deitados de costas na Eira da Pedra sob o céu estrelado, perguntava pela milésima vez ao Zé da Veiga, amigo do peito, o único de confiança que tinha, por que é que o raio da rapariga fazia de conta que não o via.

- Domingo, depois da missa, botamo-nos por aí abaixo até Santa Comba. Sei de alguém que te pode ajudar.

- Quem? Tu não me digas! Vamos lá hoje!

- Domingo.

Como de facto! Nas alminhas ainda esperou um pouco pelo Zé da Veiga, ”- rais parta, estava a ver que nunca mais vinhas!”, e lá foram ambos os dois Valcoreiro abaixo, pelo atalho para não perder tempo, e já quase a chegar à Ladeira do Moca, com a pressa e com o coração aos saltos tropeçou, deu um grande trambolhão e bateu de cabeça numa enorme fraga oval que quase impedia o carreirão. Sentiu o sangue pela cara abaixo, devia vir da testa.

- Era o que me faltava!

Arreliado, levantou-se e atirou uma pedrada à enorme fraga, como se a culpa fosse dela, e ficaram os dois a ver o milagre: A pedra, apesar da violência com que foi atirada, parece que parou ao bater na fraga, fez ricochete, subiu e ao cair começou a rodopiar em cima dela e lá ficou.

- Não fazes outra!

- Realmente, parece impossível!

O sangue não parava.

- Temos que voltar para o povo, tens aí uma ferida que não me agrada nada.

A mãe, aflita, enrolou-lhe um pano na testa e a muito custo e com algumas rezas, lá estancou o sangue.

Perdeu os sentidos e quando acordou o coração parece que lhe saía do peito. Do que seria?

Não estava a ouvir bem! A custo pôs os ouvidos a jeito para confirmar o que ouvia:

- … Mas está melhor, ele há cada uma… o que andava para ali a fazer?...

De repente veio-lhe à ideia o raio da pedra que parece que ficou presa em cima da fraga, que lembrança agora…

Era mesmo! A filha da Maria Grande, a “sua” Rosário, ali a perguntar o que tinha acontecido!

Na festa do Divino foi pedi-la aos pais.

Uns meses mais tarde, deitados na mesma Eira:

- Zé, parece maluquice, mas ninguém me tira da ideia que foi aquela fraga que me casou.

- Olha, fica a “Fraga dos Casados”, quem ali passar e que seja capaz de lá segurar a pedra como tu, tem casamento certo. Mas tem que a botar de costas!

Fraga dos casados! Esta está boa…