Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

(lire en français)

Balcoreiro

Coitado do Tulhas. Há vidas desgraçadas, esta foi uma, só miséria.

- Onde foi?

- Ali, a seguir às alminhas, naquele vale do lado esquerdo quando se vai para Santa Comba, onde lhe chamam o Vale do Coreiro. Aquele vale era dum tal Manuel Serrincha que diz que cantava, e bem, no coro na igreja. Começaram a chamar-lhe o Manuel Coreiro por cantar no coro. Ora ali aquela terra, que é grandota e parece um vale, começaram a chamar-lhe o Vale do Coreiro, às tantas ficou o Valecoreiro, e foi aí que ele deu o penagueiro.

- Como foi?

- Foi como tinha que ser. Dormia-se em todo lado e estava borracho. O Manuel das Dores, que andava a decruar uma terra dos Rodrigues, bem o advertiu:

- Olha que a noite vai estar fria, cai uma geada, que esticas o pernil.

Ele, que já vinha borracho de todo, deve ter-se dormido. Quando o encontraram, diz que estava rijo como um corno. Os mais velhos ainda contam a história:

Eram dois irmãos, o Tulhas e outro, um tal Armando, que levaram parece que para França. Diz que os pais morreram de uma malina, e ele e o irmão, ainda pequenos, viram-nos morrer; diz que eram pobres como Jó. Morreram, pai e mãe, no mesmo dia. A loje onde viviam não tinha divisórias, morreram num canto, sobre a terra nua, e os dois filhos, ainda crianças, ali ficaram especados a vê-los morrer, sem perceberem o que estava a acontecer. A malina alastrou por todo o lado, houve muita gente que morreu. Os garotos estiveram na loje com os pais mortos, até que alguém se lembrou de espreitar e deu com aquela miséria. Tirados os garotos de dentro e enterrados os pais, que faziam às crianças? Ninguém os queria, assim pequenos. Se já trabalhassem…, mas assim, só davam despesa.

Alguém se lembrou:

- Pergunta-se aí nas terras, pode haver alguém que fique com eles, alguém a quem tenham morrido os filhos.

Assim foi, quero não quero, garotos há cá muitos, lá andaram de terra em terra até que passaram por cá. Esse Manuel Coreiro, como lhe chamavam, também nunca teve filhos e como tinha uma junta de burros lá ficou com um deles. Conta-se até uma história engraçada, mas que não tem graça nenhuma. Que quando entrou na loje dos burros com o garoto atrás, mas reparando que vinham os dois, se virou para quem os trazia:

- Olhe que eu só fico com um!

Falou para o ar, porque quem os trazia já tinha esbardinado, e lá ficou o Valcoreiro com os dois. Até que passou por ali um peleiro, e como trazia alguns machos para levar o que comprava e vendia - peles de ovelha, de cordeiro, de raposa, facas, navalhas, baralhos de cartas, cornelho e outras coisas assim, lá lhe conseguiu impingir um dos garotos.

Este, o Tulhas, ficou onde sabeis. Quando esse Manuel Coreiro morreu, ainda o Tulhas era novo. As terras passaram para um sobrinho dele, o Sebastião Cortinhas, e o Tulhas passou também. Foi sempre velhaco para o rapaz e este sempre foi dorminhoco. Ele também, coitado, andava sempre mal dormido e mal comido. Um dia, diz que estavam a medir rasões do cereal que estava na tulha, e que de repente deixou de correr. Admirados, meteram um pau no buraco da tulha e mesmo assim o cereal tinha dificuldade em correr. Às tantas, pelo buraco começou a aparecer um pé.

Pararam, assustados.

- Está aí alguém morto!

Lá se meteu um homem dentro da tulha, para cima do cereal, mete os braços por ali abaixo, começa a puxar pelo que lá encontra, e quem sai de lá, é o Tulhas, vivo e são!

Coitado, diz que o tal Cortinhas lhe deu uma malhada das grandes.

E pronto, ele ficou o Tulhas e a tal terra o Valcoreiro.