Lendas e Historias

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Eirinha

EIRINHA

Primeiro tinha sido a doença, como ninguém se lembrava de ter visto. Começavam a tossir de tal modo que acabavam por cuspir sangue e morriam como que engasgados pelo próprio vómito. Depois, um inverno dos mais frios de que alguém se lembrava, seguido de chuvas torrenciais.

O povo morria de fome e doença, nada havia para comer. As crianças berravam até desfalecerem, as mães imploravam, por misericórdia, por qualquer coisa para alimentar os filhos; até as próprias ervas silvestres, que noutros anos eram aproveitadas para comer, tinham desaparecido.

Dona Idalina Perpétua era uma crente e devota profunda. Após a morte do marido, vivia numa reclusão, quase de loucura, com medo do inferno; passava os dias em rezas e promessas. O padre vivia sob a sua proteção, e até ele se compadeceu da miséria que corria pela aldeia.

Habituada ao isolamento e à criadagem, vivia sem ver a miséria que havia fora da sua casa, uma espécie de vila, para os lados da Veiga, nos arrabaldes da povoação. Numa das habituais deslocações à missa domingueira, o séquito que a rodeava, sempre atento a qualquer alteração, não conseguiu desta vez evitar que uma criança descalça, seminua e que mais parecia um esqueleto devido à extrema magreza, se prostrasse aos joelhos da senhora. De imediato a criança foi afastada do seu caminho.

- Que é isso, Laurentino? - perguntou ela ao criado.

- Nada, minha senhora.

- Que é que tens? - perguntou a senhora à criança.

- Fome, minha senhora.

- Fome?

- Sim, minha senhora.

Após a missa, D. Idalina juntou os rendeiros que lhe tomavam conta das terras e perguntou-lhes o que passava. A muito custo e com medo de a ofender, lá lhe foram explicando que quase todas as terras da aldeia lhe pertenciam e que como o ano tinha sido mau, as pessoas não tinham nada para comer e que estavam a morrer à fome.

D. Idalina ficou horrorizada com o que lhe contaram e como era profundamente crente e tinha bom coração, de imediato mandou que fosse distribuída comida. Perguntou também se tinha alguma terra que fosse suficientemente grande e tivesse água com fartura, para que pudesse ser dividida em pequenas parcelas para que as pessoas que não tinham nada pudessem aí cultivar alguma coisa que lhes matasse a fome.

Um dos rendeiros disse-lhe que sim, que tinha uma enorme eira mesmo ali em frente ao povo, que podia ser dividida e que tinha água com fartura.

- Então é isso! Dessa eira façam eirinhas e entreguem uma a cada um desses pobres.