SOUTO DO FRADE
Derreado das cruzes, das invernadas secadas nas costas, Lázaro arrastava os pés deformados por belotros que espreitavam através das alpergatas esfuracadas, para a pedra onde passaria o dia a dormitar.
Era birolho, resquícios de uma fouçada dada pelo Arnaldo da tia Olga, quando esgalhavam castinceiras. Quem lhe valeu foi o tal frade, que nesse dia fazia a vez do padre, que pelos vistos tinha apanhado a febre-de-malta.
Era Páscoa, se calhar foi castigo do Senhor, como lhe disse a santeira da Libânia que não saía das saias do padre. Algum povo até dizia o contrário que ele é que não saía das saias dela; mas pronto, isso era lá com eles.
Era Páscoa, mas tanto lhe pediu o Arnaldo:
… Que iam de manhã cedinho, ninguém dava por ela…
… Que precisava dos paus para rodriga para a horta…
… Que os braços dos farta-rapazes já precisavam de ser enrodilhados…
…Que já tinha a semana prometida…
… E mais isto e mais aquilo, e pronto, lá foi!
Abril, já os dias compridotes; cedinho desandaram em direcção ao souto, cada um com sua fouce, o trabalho estava a correr bem; de repente deu-lhe uma dor de barriga, diz que teve que amarrar calças, que até se esbourou todo.
O Arnaldo nem se apercebeu; quando desferia uma fouçada num ramo mais escondido pelas silvas, ouviu um grito.
-Ai! Ai Arnaldo, que me mataste!
E sai-lhe o Lázaro, com as calças na mão e a cara cheia de sangue, do meio das silvas. O sangue corria a rodos, tentou estancá-lo com as mãos, mas não conseguiu; tirou a camisa, enrodilhou-a em volta da cabeça e voaram para o povo.
Eles a entrarem no terreiro e a visita pascal a fazer-se, deram mesmo de frente com o frade e a comitiva. Sorte a dele, o tal frade entregou a cruz ao sacristão, parece que percebia da coisa, mandou deitá-lo logo ali no baixo do Nestor e que lhe trouxessem panos e água quente.
Estancado o sangue e limpa a ferida, o frade mandou que descansasse.
- Não tenho a certeza, mas parece-me que vai perder esta vista.
O Lázaro, que era prático:
- Se fossem as duas, era pior.
- Sim - respondeu o frade. Agarrou na cruz e a visita continuou.
A conversa foi aquela:
“- Dia de Páscoa, é bem feito, os dias santos são para guardar. Foi castigo!”. E por aí fora.
- Mas onde é que eles andavam?
- Diz que andavam no Souto a esgalhar castinceiras, e que o tal frade o curou!
- No souto de quem? Do frade?
- Foi o frade que o curou! Agora não sei de quem é o souto.
- Diz que foi no Souto do tal frade.