Ajudou a meter o boi no tronco. Ele bem disse ao ferrador: “- se calhar, a este é melhor pôr-lhe as tiras por baixo e levantá-lo! -” uma ocasião, tinha sido queimado naquela pata e estava sempre desconfiado quando era ferrado.
Que não era preciso, que estava bem seguro.
Levantou-lhe a pata e depois de apoiada e presa no barrote de madeira, começou a puxar o canelo velho com a turquês. Foi logo ao primeiro esticão, o boi soltou a pata e atirou com o ferrador contra um dos apoios do tronco. Levantou-se todo dorido e já não quis mais cantigas.
- Levantem o boi que ele é bravo.
Ele bem o tinha avisado.
Guardou os canelos velhos, já estavam muito desgastados, iam servir para raspar o reco na matança. Com canelos novos nas patas do boi, lá seguiu direito à terra do sogro. Eram dois dias de lavra e não podia olhar para trás. Dois dias bem espremidos, mas verdade se diga, não se importava de andar ali todos os dias do ano.
Gostava de ir para ali, era um sítio de que sempre gostou, com a serra de Bornes à vista. Então, quando estava cheia de neve, era um regalo para a vista. E aquelas matas de castanheiros, quando era no outono, com aquelas cores todas, castanho, roxo, vermelho, amarelo, era digno de se ver! E o casario? Vilares da Vilariça, Burga, Colmeais, Trindade… imaginava aquela gente toda daquelas terras, se calhar também a lavrar ou a fazer outra coisa qualquer, se calhar até estavam também a olhar para ele. Ficava sempre perdido e encantado, a olhar aquele panorama.
A cria já o conhecia, começava a mordiscar as bordas, ao mesmo tempo que fustigava o próprio lombo com as longas tiras de pelo do rabo, na tentativa de matar ou afugentar os enormes moscardos que lhe tentavam roubar sangue com os seus enormes ferrões.
Mas a suprema delícia era quando passava a carreira que ia para Bragança. Nunca tinha ido na camioneta, mas gostava de imaginar-se dentro dela, sentadinho e a camioneta por ali acima, por aquelas curvas e pelas terras todas a ver a gente a entrar e a sair, a falar das coisas das suas terras e ele a contar como era aqui na terra dele. Ali ia aquela carreira, sempre direitinha. E como é que o homem sabia a estrada toda, diz que até Bragança? Dizem que demorava mais de três horas!
A maior parte das vezes era interrompido nestes pensamentos, quando os bois, fartos de esperar, decidiam ir indo a mordiscar, pelas bordas fora.
Era por isso que diziam o que diziam. E ele que se importava? Gostava de estar ali a ver e pronto!
Tinha sido um dia que tinha ido para ali com uma carrada de estrumo. Era Outono, a serra de Bornes tinha lá no cimo uma leve réstia de neve, que parecia mesmo uma cabeça com os cabelos soltos. Assim, a neve parecia cabelos pela serra abaixo, pelas encostas repletas de carvalhos de todas as cores, com a camioneta vermelha a serpentear por ali a cima. Esqueceu-se, mergulhou na imaginação e os bois foram indo, só pararam numas estacas que o Horácio tinha posto lá numa terra dele. Só lhe deixaram os cotos! O Horácio armou um pé-de-vento que foi o diabo para o sossegar. Só quando lhe prometeu que lhe arranjava outras e que as ia lá plantar, “- que desculpasse, mas os bois andaram...”
Ele bem lhe respondeu:
- Andaram porque tu deixaste! Já toda a gente te tem à teima, a ver-te de boca aberta, a olhar para quando passa a carreira para Bragança, parece que nunca viste a carreira.
- Também, não é bem assim!
É! É, até já lhe chamam, a essa terra do teu sogro, a Carreira de Bragança.