Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

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Orreta da Silva

ORRETA DA SILVA

- Foi!

- Ai foi?

- Foi naquela orreta, junto da Tacinha, aquela passagem estreita, que era da Isabel Silva, que Deus lhe tenha a alma em descanso, que agora pertenceu aos filhos. Não sei a qual, por isso é que é a Orreta da Silva.

- Já sei! Pertenceu ao Zeferino.

 Foi aí, nessa passagem estreita, que os lobos lhe mataram o burro e não o mataram a ele porque fugiu e eles ficaram de volta do burro: aquela canelha é falsa, é estreita, comprida e não tem escapatória para os lados.

O tio Francisco da Luísa, bem o avisou:

 - Américo! Olha que já é tarde! Vais de manhãzinha, o caminho é comprido e aquela passagem estreita que era da Isabel Silva, aquela orreta, é boa para os lobos, não tem sítio para se fugir.

- Foi aí que há uns anos mataram para cima de vinte ovelhas. O João Sifrósio diz que lhe fizeram uma espera como se fossem ladrões, que deixaram que o rebanho entrasse todo na tal orreta e depois atacaram; diz que as ovelhas até se mataram umas às outras, na confusão atiravam-se desesperadas umas contra as outras ao fugir dos lobos, com as entradas fechadas, dizem que foi uma matança.

- Ele, coitado, quando chegou ao povo, diz que só dizia:

- Eram o diabo! Eram o diabo!

- Tu que dizes, homem?

- Eram o diabo, eram o diabo!

E contou que nunca tinha visto nada assim, os lobos pareciam pessoas! Meteram-se quatro de cada lado da tal passagem e diz que foi só matar, diz que até lhe parecia que os lobos se riam.

- Fica mas é cá!...

Que não, que tinha que ir, que também fazia o caminho depressa, que os lobos não lhe metiam medo e que se tinha comprometido com o compadre Luciano para a poda.

- É sítio de lobos, ficas para amanhã…

- Não, obrigado, Ti Francisco, mas bou por aí acima.

- Eu não ia! Mas leva um bom cajado, pode ajudar.

Meteu as couves de penca com cuidado nos alforges, subiu para cima do burro e ala que se faz tarde.

A noite estava escura, tinha-se demorado demais.

“- Se calhar devia ter ouvido o conselho do Ti Francisco, mas agora já está, que Deus me acompanhe. -“. A peleira ia no bolso.

O burro era forte e tinha boa andadura, também tinha pressa de chegar.

Perto da Tacinha, ouviu ulear.

“- Oh caracho!”

Ainda pensou dar a volta, lembrou-se da história do Sifrósio, mas já era tarde e por ali atalhava muito.

Entrou naquele caminho estreito, a tal orreta da Silva.

“-Não há-de ser nada!”

A meio, o burro empinou as orelhas e como que estremeceu.

- Que é? Anda!

O burro pressentiu o perigo e alargou o andamento, sentiu nas pernas a tensão no corpo do jumento.

Sentiu-os a correr nas ladeiras do caminho, ali não havia escapatória, só para a frente que os lados da orreta eram altos. O burro suava como se fosse agosto. De repente, um lobo enorme passou à frente do burro e ao mesmo tempo sentiu alguma coisa pendurada da albarda. Com o pé pontapeou o lobo na cabeça, ele largou, o burro sentiu-se mordido e deu dois pinotes, por pouco ele não caiu. Outro lobo saltou ao pescoço do burro, ele bem gritava para os assustar, mas nada feito; sentiu o burro fraquejar, pediu-lhe alento ao mesmo tempo que lhe batia com a vergasta que trazia na mão.

O burro estava em pânico e o dono também.

“- Porque é que não fiquei?”

Sentiu que uma pata dianteira do burro estava presa, dois lobos estavam agarrados a ela; o burro ajoelhou-se e ele teve que saltar para não cair também. Burro no chão e mais dois lobos se lhe cravaram no focinho; ainda deu uma berdoada num dos lobos, mas dois deles viraram-se e mostraram os enormes dentes e a sua fúria. Contou seis lobos.

Ainda berrou e puxou na corda pelo burro, mas este já se encontrava mordido em vários sítios, na parte dos genitais tinha já um enorme buraco.

“- Estou cosido, não salvo o burro e tenho que me ir embora senão também se atiram a mim!”

Um lobo dirigiu-se para ele, acertou-lhe com força na cabeça com o pau que trazia, para sorte dele o lobo virou-se e atirou-se ao burro já indefeso. Aproveitou para fugir. Ouvia os grunhidos agressivos dos lobos e o arfar do burro a ser comido vivo.