- Foi ali, naquela canelha!
- Quem te disse?
- Ninguém me disse! Eu estava lá!
Na festa da Trindade, já se tinham desentendido, mas o Desidério levou dois de Caravelas para casa, o Sarmento também agarrou em dois de cá e lá os separaram. Mas quando os vi chegar cá, disse logo para os outros: “- está o fado armado! -” e assim foi! Ainda nem tinha começado o arraial, calhou o Felismino passar à frente deles, esbarou e caiu ao comprido. Começaram todos a arreganhar os dentes.
Virou-se para um:
- Estás a rir-te do quê?
- Do que me apetece! Não posso?
- Olha lá se te vais rir para a tua terra!
- Obriga-me!
O Felismino atirou-se logo a um, mas eles já vinham preparados. Um deles puxou por um cinto e à má-fé acertou-lhe com ele nas costas; os de cá, quando viram aquilo, acudiram logo. O Albino atirou com um do muro abaixo e engaliaram-se ali todos.
Alguém chamou a Guarda e a muito custo, lá os separaram. O Libório tinha uma facada na barriga e um deles também tinha levado duas facadas na cara.
Os Guardas apanharam um deles, que parece que já andavam de olho nele por causa duma facada noutro barulho na feira dos Chãos. Meteram-no no quinteiro do regedor e ficou aí guardado pelos cabos de polícia do povo.
Entretanto os outros fugiram, os de cá ainda foram atrás deles, mas nunca mais os viram. Viraram-se então contra o que estava esfaqueado; foi o diabo para a Guarda ter mão neles e conseguir que não lhe batessem.
A coisa foi andando e o arraial continuou; já de madrugada, os Guardas pegaram no preso, amarraram-no com as mãos atrás das costas e seguiram para a Vila. Entretanto, o Regedor tinha pedido que dois ou três de cá acompanhassem os Guardas até ao Noval, porque estariam lá mais dois Guardas que tinham estado na festa de Vale Frechoso. Aí chegados, seguiram os quatro com o prisioneiro.
Assim foi! O machacaz seguia entre os Guardas com as mãos presas e eu, o Zé da Adelina e o Sebastião à retaguarda.
- Por isso é que eu te disse que vi!
Ao Tapado, virámos aí por essa canelha. Quando íamos a meio, ouvimos um estrondo e vimos uma labareda, vindos dos lados da canelha.
Um dos guardas gritou:
- É uma caçadeira!
E toca de se tentarem abrigar. Outro tiro e o mandicante que estava preso desatou a correr.
Gritou-lhe o Guarda:
- Pára! Senão, morres!
É o páras! Cada vez fugia mais. Um dos Guardas foi atrás dele de arma apontada, ouviu-se outro tiro e ao mesmo tempo um grito de dor. Era o Guarda, que tinha sido atingido.
O outro começou também a dar tiros para o sítio de onde tinha saído o fogo, descarregou o pente. Ouviu-se o barulho deles a fugir, depois ficou tudo em silêncio, só se ouviam agora os ais do Guarda, a queixar-se. Tinha levado um tiro num ombro; mais um bocadinho ao lado e era no pescoço.
Foi um alvoroço grande. Os que estavam em Vale Frechoso ainda vieram cá, e lá levaram o ferido para a Vila.
Para o outro dia de manhã estavam aí muitos Guardas, com muitas armas e com cães. Andaram toda a manhã a rebuscar lá na canelha, a seguir os rastos. Parece que também lá encontraram a tal caçadeira.
Ainda apanharam o que deu o tiro, que já ia a atravessar para Espanha. Quando o trouxeram para Mirandela, era dia de feira, passaram com ele pelo meio daquele povo. Diz quem o viu, que nem o conheciam, que parecia um Cristo.
Por isso é que depois lhe começaram a chamar a Canelha da Caçadeira. Vem desse barulho.