PENA DO CORVO
Dá cá o dinheiro!
As partes faziam-se desinteressadas no acordo, cada uma delas reivindicava pouco e muito dinheiro.
O vendedor enunciava a boa gordura do animal, muito nabo, batatas à discrição, que o ano tinha sido pródigo nelas, não arranjava na feira animal que se lhe comparasse e então por esse dinheiro…
O comprador, que o animal era bonito, mas não valia o dinheiro, que já lhe tinham oferecido um parecido ou melhor na feira por menor preço.
Vende que não vende, compra que não compra.
O homem decide, é este o valor e não se fala mais nisso, é pegar ou largar. Um aperto de mão, um dos que apreciava a conversa racha o negócio, pondo a mão em cima das duas que já estavam apertadas, o que recebe o dinheiro vai pagar o alboroque, e lá desandaram os três para a taberna da Maria Feia, o nome assentava-lhe que nem ginjas. Até bigode tinha!
Copo atrás de copo, palavra atrás de palavra, quando saiu da taberna era já o lusco-fusco. Que diabo, ainda eram bem três horas de caminho! Procurou alguém conhecido, mas já tudo tinha desandado, só encontrou o Raimundo ferrador de Vale Frechoso, fizeram-se ao caminho, depois de mais meio quartilho cada um.
À Casa das Almas separaram-se, o Raimundo bem o avisou: - Cuidado aí nas fragas, diz-se que estão por lá ladrões, um deles, o chefe, é má rês, dizem que já esteve preso. Vem por Vale Frechoso passas lá a noite e de madrugada segues caminho.
Ainda vacilou, apertou as notas da reca no bolso, mas a sua Maria Albina estava à espera dele.
- Não! Vou andando.
- Tu é que sabes!
Começou a subida, nunca fora homem de medos, mas as notas tornaram-se pesadas no bolso, era o trabalho de um ano, o tempo em que a sua Maria Albina andou a acarrar biendas prà loje da reca.
As fragas apareceram, o coração começou a acelerar, também era da subida, estava quase, mas nunca mais acabavam, ao passar um último sobreiro encostado às fragas, ouviu um assobio.
- Estou cosido! - A mão direita apertou as notas, após breve paragem, avançou.
- Alto! Levas pressa!
- Já é tarde!
- Passa para cá o dinheiro!
- Não tenho dinheiro! O que tenho é isto. - E mostrou uns tostões.
- Sim, Sim! Deixa-te de conversas e passa para cá o dinheiro! Foste à feira vender alguma coisa!
- Não! Fui visitar um compadre que está doente!
Eram cinco, rodearam-no, sentiu a ponta da navalha encostada ao pescoço.
- Dá cá o dinheiro. Se não, morres aqui!
Fui que não fui, tenho que não tenho, levou um murro em cheio que lhe rebentou o nariz, caiu no chão e, pontapeado várias vezes, quase perdeu os sentidos.
Depois, enquanto lhe batiam e o ameaçavam, quase o despiram à procura do dinheiro, nada encontraram.
- O bandalho só tem cinco tostões! Não tem mais nada!
Abandonaram-no em mau estado, e ele lá se arrastou até casa.
A Maria Albina quando o viu naquele estado começou a gritar.
- Ai o dinheirinho da minha reca! Ai o dinheirinho! Que vai ser da nossa vida!
- Ó mulher, cala-te! Cala-te!
Quando se sentiu capaz, aparelhou o burro e ainda meio combalido pôs-se a caminho. “- Deus queira que a pena não tenha voado.”
Foi lá direitinho, as notas estavam debaixo da pedra onde as tinha deixado e a pena também lá se encontrava presa. Olhou para a pena, era dum corvo. Quando sentiu o assobio tinha-se dobrado e, o mais depressa que pode, colocado as notas debaixo de uma pedra juntamente com uma pena que estava ali no chão.
Riu-se, e contou a história no povo.
- Foi uma pena de corvo que me salvou o dinheirinho!
A partir dai, passaram a ser as fragas da Pena do Corvo.
Era verdade que havia ali sempre corvos a rondar.