Que era galego, grande, brouzeleiro, mal-azado, sempre maldisposto e fazia paredes como nunca se tinha para ali visto, era o que diziam.
José Francisco Aguilar de Figueiredo e Estrogano tinha grande proa em dizer todo o seu nome, dizia que tinha sangue nobre galego. Dizia ele que Estrogano queria dizer rugido e isso assentava-lhe bem, pois cada vez que falava, parecia um rugido.
Veio como muitos, sem eira nem beira, dormiam ao relento ou no patim de um qualquer. No inverno, se os donos deixavam, dormiam nas corriças ou nas lojes da cria, onde tinham algum calor para se defenderem do frio.
Logo na primeira parede, que quase por desfastio o Manuel Afonso lhe entregou, que a paga era o que comia, diz que ficou tudo admirado. Diz que foi lá para a Lomba, nunca tinham visto fazer assim paredes. Tinha sido feita em cima de umas fragas, que dificilmente lá encavalitavam pedras, e o galego, com uma maneira desconhecida por cá, de vinte em vinte passos punha pedras grandes de pé, a travar, o que dava mais fortaleza e segurança à parede; no cimo da parede, as últimas pedras ficavam também de pé, encostadas umas às outras. Nunca se tinha visto tal trabalho. A jeira era de sol a sol e ele nunca se negava! Dizem que vem daí o ditado “trabalha como um galego”. Se vem daí ou não, também pouco importa para o caso.
O Estrogano ficou-se pelo Terreirinho, por baixo do patim da casa do Césaro Aludra, que ali vivia com a mulher e a filha, a Maria Aurora, por quem o tempo do casamento já tinha passado. Pouco favorecida de aspeto e pensamento; passado algum tempo o Césaro mandou subir o galego, deu-lhe lugar à mesa e uma cama quente, e resolveu assim o problema da filha e do galego.
À morte do Césaro, o Estrogano entregou-se da tenda, que pouco era. Além da casa onde viviam, só uma terra de onde tirava algum sustento para ajudar a matar a fome, onde passava as horas quando não havia paredes para fazer, o que era raro.
Tinha grande proa na terra que tinha herdado, tinha feito paredes em toda a volta. Era o seu Estrogano, como ele dizia.
- Oh Maria Aurora, onde está o Estrogano?
- O Estrogano? No Estrogano!
- Ele pode ir para mim, amanhã?
- Fale com ele!
Como era brouzeleiro e tinha sempre que dizer, com o passar dos anos, derreado dos quadris e com as mãos retorcidas das artroses, passava os dias sentado no patim ou na varanda de madeira que dominava o Terreirinho, a cagar lambanças sobre tudo e sobre todos.
Começou a ser divertimento para a rapaziada nova: pela calada da noite, baterem-lhe à porta ou arreliarem-no com a voz disfarçada, para não se saber quem era, e ouvirem-no depois às carvalhadas, que largava em grande alarido, ou então verem-no a atirar com objetos da casa que tivesse à mão, para tentar acertar nos que o arreliavam. Depois, mansamente, a Maria Aurora deles fazia recolha.
Numa ocasião, num princípio de noite, o lato, suspenso pelas cadeias sobre o lume, vertia pequenas golfadas de água sobre as brasas, de onde se levantavam mofanas. O nabal estava quase cozido, a reca já estava à espera dele. Na cozinha, apesar da boeira estar toda aberta, o fumo não saía, o tempo estava de trovoada seca. Maria Aurora tirava as malgas do louceiro e lançava o caldo. Pelas frinchas da porta, foi dado o lamiré:
- Oh Figueiredo, tens um cu que mete medo!
Levantou-se com dificuldade do escano e empurrou a porta para ver se via alguém, mas como nada viu, respondeu para o escuro da noite, ao mesmo tempo que lançava o pau que servia de estrafogueiro, a tentar acertar no gandulo.
- Olha que a tua mãe tampouco o tem pequeno!
Do escuro ouvia-se a risota da rapaziada.