Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

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Rousso

A rédea curta fazia com que as moscas lhe nadassem à volta dos olhos e da boca, mas o burro era teimoso e se lhe desse de asas, lá se ia a carga toda para o chão. Cheirava tudo, nem o saco preso ao focinho com os cagalhões lhe fazia perder o vício de cheirar.

Nas subidas era diferente, era obrigado a maior esforço e não cheirava tanto amiúde, mas a direito e ao fundo, valha-nos Deus, era uma desgraça. Até a sobrecarga já vinha lassa, teve que voltar a apertá-la. Se a carga lhe caía, sozinho, como é que voltava a por as três sacas de azeitona em cima do lombo do burro?

Era dezembro, mas parecia abril. Calor, até moscas havia, diziam os mais velhos que já não era nada como dantes, que no tempo da azeitona eram sempre dias frios, húmidos, e que o nevoeiro raramente dava descanso. Ao varejar, a água fria escorria das varas para as mãos, daí para os cotovelos; dizem que andavam sempre de volta da fogueira para não se engranharem.

Primeiro ouviu um grito, depois como que uma súplica; foi-se aproximando com o focinho do burro encostado ao braço direito.

A súplica agora era mais audível.

- Eu não quero! Deixe-me, por amor de Deus! Não quero! Deixe-me! Deixe-me!

E viu, reconheceu-o logo. Que pouca vergonha, tinha idade para ser pai dela!

 Mandicante!

 Levava-a pelo braço para o meio das castinceiras.

- Deixe-me! Tenha piedade! Eu não quero!

E o labrego, calado; via-se que não era a primeira vez que o fazia.

Esteve, vai que não vai, para lhe gritar: “- Tenha vergonha! Podia ser sua filha!”, mas quê? E depois, tudo trabalhava para ele, era o dono de metade do termo. Era dono das corriças onde encerravam os gados, era o dono dos tapados que quase todos traziam de renda, era quem dava trabalho.

O que ia dizer? “- Largue-a, que a rapariga não quer!”, ou outra coisa qualquer.

Ainda viu, ela a especar os pés na terra e a gritar:

- Deixe-me! Quem me acode? Pelo amor de Deus, deixe-me!

E o mandicante a levá-la, quase de rastos, até desaparecer por entre as castinceiras; ali o souto era forte.

Atravessou o ribeiro a saltar de pedra em pedra, o burro não tinha medo da água, e pouco mais adiante viu o pessoal que lhe apanhava a azeitona e lá andava a mãe e irmãs da que tinha sido levada e mais uma data delas, todos de cabeça baixa. Todos ouviram, mas ninguém piou.

- Era o Sr. Agripino; levou a Floriana à força para o Souto das Vinhas; coitada da rapariga, ele tem idade para ser pai dela.

- Pai? Quase avô!...

- No outro dia ouvi o meu pai e o meu tio Diaquino a falar e diz que o pai dele era igual, chamavam-lhe Rousso, diz que é o nome que dão aos homens que obrigam as mulheres.

- Por isso é que essa terra, onde tu dizes, lhe chamam o Rousso; vem da alcunha do pai dele.

- Tal pai, tal filho.

- Coitada da Floriana, todos ouviram. E agora quem é quer casar com ela?

- Ninguém!

- Mas ela não teve culpa!...