Lendas e Historias

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Rijada

RIJADA

Nem a mais pequena brisa fazia balouçar as palhas prenhas de grãos. O ar estorricava tudo, era difícil respirar, o garrafão andava num vaivém. Inebriados pelo álcool, corpos dobrados pelas cruzes, cortavam rente ao chão o loiro cereal.

O capataz incentivava continuamente o trabalho de todos. Este trabalho não era só para a paga desse ano, mas a conquista de novo trabalho para o ano seguinte, o patrão tinha que ficar satisfeito. Os corpos levantavam e baixavam ao longo do corte, perfeitamente alinhados, como se fossem marionetas.

Ouviu-se um burro a zornar, o ânimo levantou-se. Era bom sinal, estava a chegar o almoço, os alforges vinham bem atestados.

Manta de farrapos estendida no chão e em cima dela a enorme panela repleta de batatas e canhona velha. Cheirava divinamente! Pão, azeitonas e vinho, os olhares gulosos dos segadores obrigavam a garganta a salivar em seco.

“- Espera aí, que já te consolas.”

O capataz deu ordem para comer, os homens largaram as seitouras e tiraram os dedais. Esfomeados, davam apressadamente aos queixos e lambiam os cambais, devorando avidamente o prato principal, no qual molhavam nacos de pão, no molho suculento.

Dos beiços gretados desciam pequenos laivos de molho gordurento, as moscas também tinham aderido à comezaina e apresentavam-se esfaimadas pousando em todo o lado.

- Oh patroa! Como se chama esta terra? Nunca vi sítio tão quente! Dava para rijar aqui chicha!

- Olhe que nem sei o nome da terra, o meu homem sempre lhe chamou a terra do ti Francisco, porque a herdou dele.

- Olhe, então aí tem, fica a ser a terra da Rijada, e diga-lhe que foram os segadores que lhe puseram o nome.

A mulher riu-se.

À sombra do castanheiro onde comiam, era como uma dádiva de Deus a fresquidão das enormes ramadas. Convidava à sesta que se seguia ao almoço. Aí deitados, ao lado uns dos outros sobre a terra crua, corpos cansados, barriga cheia, não demoravam a dormir um sono solto e retemperador, cada um a ressonar para seu lado. Não havia arganas que afligissem os corpos queimados e endurecidos pelo calor, suor e surro. Este era um dos melhores momentos do dia e só terminava porque o capataz os acordava com a ordem para recomeçar a faina.

A patroa já tinha metido os restos nos alforges e, com o burro pela rédea, seguiu ligeira a preparar a próxima refeição.

Já o sol se tinha escondido por detrás do Carvão, quando o capataz deu ordem começarem a atar. Cada um fazia os molhos à medida dos braços. Nesta camarada de segadores eram todos corpulentos, os braços eram grandes e os molhos também. De seguida juntavam-nos em rilheiros, cada um com umas 30 pousadas, o que quer dizer 150 molhos. Era o que um carro de bois podia levar e assim ficava o serviço bem feito para quem fizesse a acarreja. Por fim, já com a luz do dia a apagar-se para dar lugar à noite, cansados e embrutecidos pela dureza da faina, regressam ao povo para o merecido descanso.

O patrão:

- Então como ficou a terra? Amanhã já vos queria a almoçar na outra que tenho lá para o Carvão. O tempo parece que está a mudar e se chove, é o diabo!

O capataz:

- Os homens têm trabalhado bem e o patrão sabe que para aquela terra são quase os dois dias completos. É uma terra boa, dá gosto ver aquele cereal, é dos que dá à vontade um rasão por pousada e olhe que hoje ficou bem cheia de rilheiros, todos com umas boas vinte e cinco pousadas, a passar. Quem fizer a acarreja tem que saber compor o carro para meter lá o (tantos molhos) rilheiro todo e os bois têm que ser dos valentes.

Depois, em jeito de brincadeira:

- Já ficou a ganhar, os homens já puseram nome à terra.

- A mulher disse-me, não está mal nomeada. Que para ali alombra.

Os segadores sentam-se nos bancos de pedra da entrada da casa. Terminada a refeição, farta e bem regada, ainda há tempo para umas cantorias.

Recolhem-se depois na velha corriça, onde se estendem, vestidos, extenuados e tontos sobre a palha que cobre o chão, dormindo as poucas horas que tinham de descanso.

Ainda a luz do dia não é completamente clara, já estão a caminho da terra, para mais um dia igual ao outro.

O capataz incentiva a camarada de segadores.

Vamos lá rapazes, a ver se hoje deixamos a tal Rijada.