Lendas e Historias

Lendas e Historias PT

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Jeirinha

Já tinha amealhado algum dinheiro à custa de alguns rasões de pão e alguns almudes de azeite que pela sesta tinha juntado aos poucos atrás da pipa. Era da colheita da casa que os desviava e era a única maneira de arranjar dinheiro. Já os tinha vendido ao Elias Defunto, que fazia negócio de tudo e que era como um túmulo; dali estava sossegado.

Ele desconfiava que a mãe sabia, mas que fazia ouvidos de mercador, ou seja, fazia que não ouvia.

Tinha sido todo o ano a pensar naquele dia, já se estava a ver a subir pela escadaria acima, se calhar com mais alguns, com aquele povo todo a ver. Tantas coisas que nunca tinha visto!...

Quando pensava que talvez fosse, dava logo como certo que ia, era um ano a pensar naquilo - as fitas, a música a tocar, os foguetes a estoirar, os vendedores de coisas que curavam tudo, que juntavam muita gente à volta; um homem em cima de uma mesa com um altifalante falava para uma coisa que trazia pendurada ao pescoço embrulhada num farrapo. Raparigas vestidas de maneiras que ele nunca tinha visto, as bandas da música, todos vestidos da mesma maneira, os vendedores de tudo: chapéus, flautas, realejos, penas para os chapéus, coisas que nunca tinha visto.

Vinha de lá com coisas para contar durante o ano.

Era a primeira vez que queria andar por lá sem ser com o pai, a mãe e os irmãos, em que a maior parte do tempo ficavam sentados na manta debaixo de um pinheiro, com a comida à frente, à espera da procissão. Acabava a procissão e era vir embora.

Este ano ficava lá! Ainda não tinha autorização, nem sabia como pedir; já tinha dinheiro e já era homem; dava como certo o que ainda era incerto.

E, mais do que tudo, queria lá estar com a Lucinda, se calhar até a ouvir o fogo com ela. Estava feliz da vida, só faltava a autorização do pai, mas tinha que ser!

Lembrou-se da madrinha, que além de madrinha também era tia; era irmã da mãe.

- Minha madrinha, deite-me a sua bênção!

- Deus te abençoe, meu filho.

E até foi ela que deu o lamiré.

- Vais ao Cabeço com os teus pais?

Aproveitou:

- Era isso, minha madrinha, que lhe queria pedir. Gostava de ir, mas com os rapazes novos, já tenho vinte anos. Se pudesse dar uma palavrinha à minha mãe…

Ela riu-se.

- E quem é que lá queres ver?

Ele corou: “- a minha madrinha sabe.”

A madrinha contou à irmã a conversa, ela estava de acordo, mas o homem é que decidia.

- Este ano o rapaz gostava de ir com os da idade dele, já é um homem.

- Logo se vê!

Faltavam três dias para a festa e nem uma nem duas.

- Oh minha mãe, então posso ir?

- O rapaz pode ir à festa?

- Pode, mas de manhã tem que lavrar aquela terra pequena ao cimo do Noval, aquilo nem é uma jeira.

- O teu pai deixa-te ir, mas tens que lavrar aquela terra que trazemos de renda, aquela antes do Champaião. Também, é pequena, é uma jeirinha, vais cedo que não te leva o dia todo.

O rapaz ficou feliz da vida. Assim que pôde:

- Lucinda, tu vais? Eu só vou lavrar uma terra pequena, vou cedo, aquilo é uma jeirinha, e depois boto-me ao caminho.

- Vou com os meus tios, que o meu pai está meio doente e a minha mãe fica com ele.

Então pronto, procuro-te lá, ao pé do escadario, no canto de Benlhevai.