Cântaro à cabeça, sobre a rodilha em equilíbrio permanente e pechorra na mão.
A mãe já andava desconfiada.
- Oh rapariga! Porque é que dás aquela volta e não vens a direito?
- Já lhe disse, minha mãe, os cães do senhor Amael já por mais que uma vez quase me mordiam e eu tenho medo deles. Uma vez tive que me meter dentro do castanheiro grande, senão botavam-se a mim. Para sair, o que me valeu foi terem chegado uns garotos e os cães lá se foram embora.
- Inventas cada uma… Que é que os garotos andavam para ali a fazer?
- Vão muitas vezes a brincar para dentro do castanheiro. Por dentro está todo comido, só já tem a casca por fora, ninguém lhe sabe a idade. Aquilo parece uma sala, cabem lá uns quatro ou cinco garotos ao mesmo tempo.
- Está bem, bem sei que castanheiro é! Mas por onde vens é mais longe; não anda por aí ninguém a cheirar-te as saias?
- Oh minha mãe! Olhe que você, também…
Ao Torrão ouvia o assobio e parecia-lhe que as vasilhas se tornavam mais leves. Debaixo do sobreiro, havia ali uma rodeira funda desgastada da passagem dos carros e encaixava lá o cântaro.
- Demoraste!
- A minha mãe anda desconfiada! Não sei o que vai ser de nós!
- Já pedi ao meu tio a ver se fala com a tua madrinha, para falar com a tua mãe!
- Mas já lhe falaste?
- Já! Disse-me para esperar pela festa.
- Ainda falta tanto tempo... Se o meu pai desconfia, há barulho!
- Eu bem sei!
Calhou! Amouchado atrás da parede da vinha da senhora Ana, amarrava calças o brouzeleiro do Chavelhas.
“- Olha que pombinhos!”
Deixou-os ir e passou logo à porta de casa da rapariga; a mãe varria o quinteiro.
- Então quando é o casamento, tia Imperatriz?
- Não sei do que falas!...
- Devia saber! - E desandou.
Pensou logo, “- já sei porque vens por cima” - ela sabia que a rapariga gostava do rapaz, mas coisas antigas metiam-se no caminho. Não era que ela não gostasse do rapaz, até gostava. Era trabalhador, mas a família do pai dele e a do seu marido é que tinham lá umas coisas mal resolvidas. Tinha que convencer o seu homem. Mas como?
Andava ela nesta arrelia e com medo que chegasse aos ouvidos do homem, quando a cunhada e madrinha da filha lhe vieram com a conversa, que era bom rapaz, que o que lá vai lá vai, que eles gostavam um do outro e mais isto e mais aquilo….
- Pois é, Clementina, mas tu sabes como é o teu irmão!
- Então tu não te importas que eles namorem?
- Eu até te digo, gosto do rapaz! Mas sabes melhor do que eu o que se passou!
Nem de propósito.
Andava o Salustiano a agradar uma terra ali para o Sobralhal, quando a grade empancou numa pedra; nem para a frente, nem para trás. A cria parou e o Salustiano mete a mão na terra para levantar a grade para passar por cima.
Sentiu uma ferroada ao mesmo tempo que caiu de cu na terra fofa. Tinha sido picado por um alacraio, que ainda estava com o ferrão no ar. Começou logo a ficar adormecido e com umas dores medonhas, parecia que tinha o corpo a ferver. Começou a gritar, a pedir ajuda.
Passava, com a fouce às costas e pedoa à cinta, o Arménio, que tinha ido a arrolar uns castanheiros lá para a Trigueira. Ouviu os gritos, e lá foi.
O Salustiano, quando o viu, ainda virou a cara, mas as dores eram tantas, que lá lhe disse o que tinha acontecido.
O Arménio não foi de modas, cravou-lhe os dentes no sítio da picada e chupou-lhe o sangue, onde vinha o veneno do alacraio. Deitou-o em cima do carro da cria e lá o levou para casa.
Quando ficou melhor, a mulher lá lhe contou da filha. Ele, nem preta nem branca.
- A tua mãe disse-me que vens sempre ali por cima. É mais longe!
- Pois é meu pai, mas tenho medo dos cães e lá em cima naquela curva debaixo do sobreiro há lá uma rodeira que encaixa lá bem o cântaro para descansar, dá-me mais jeito.
- Tá bem! Tá bem! Já agora, diz lá ó da rodeira que passe cá por casa, para falarmos.
Ela corou e baixou os olhos.
- Sim, meu pai.