TOLEIRO
O sequeiro baixava de dia para dia, estava a chegar ao fundo. A mulher, que andava desconfiada da Maria Careca, descobriu então a injustiça da sua desconfiança: os ovos da pedrês que lhe faltavam estavam ali. Rai’s parta na pita, nem a espreitá-la às escondidas lhe tinha descoberto o ninho. Contente ficou, tinha lá para cima de uma dúzia; não é que soubesse contar, mas parecia-lhe.
Veio então a calhar, o compadre Demétrio ofereceu-lhe um castanheiro velho que tinha secado. Tinha um senão, era no termo da Trindade, mas havia de vir para casa, custasse o que custasse. O caminho era ruim e o raio da água não parava de cair, era ribeiros por todo lado. Os caminhos ficavam lambidos até aos ossos, era só fragas à vista e nas partes baixas, lamaçal.
Cedo, junguiu os jumentos e pôs-se a caminho. Na frente, de rabo enrodilhado, o Farrusco abria caminho.
Ao passar à Maria Belida teve um mau pressentimento. “- não há de ser nada, o raio da lenha era precisa, ainda o Inverno ia a meio, agora é que vinha aí o frio.”
Não voltava a acreditar no que pode ser. O João d’Além tinha-lhe dito que tinha dois sobreiros na Córqueda e que lhos dava; afinal só um é que era dele, o outro é dos Varrossões, assim lhe tinha dito o feitor, o Anacleto da Rosa; e pronto, ficou de mãos a abanar.
- Ó homem, a lenha é pouca!
E ele não sabia?...
- Ó rapaz, cuidado com a cria, olha que o caminho está fraco.
O filho e ele carregavam o carro em duas horas, mais duas para vir.
Carro carregado, Deus nos ajude, a água não dava descanso, não parava de cair.
Ao entrar no caminho que vinha da Trindade bem reparou que estava tudo arregatado, tinha vindo para ali muita terra deslocada com a força da água, mas com cuidado talvez passasse. O filho atrás ajudava com o ombro colado às traseiras do carro; ele, na frente, com a aguilhada em punho, guiava a cria.
Foi então que um dos burros ficou com uma pata entalada num buraco que a força da água tinha feito, o carro resvalou e ficou inclinado, só não tombou porque os burros presos ao carro não deixaram; mas um deles ficou quase pendurado pela meleia que o prendia ao jugo. O burro começou a ficar asfixiado, esperneava com quantas forças tinha, o que ajudava ainda mais a enterrar o carro. Agarrou-se ao burro e com a navalha cortou o couro que prendia a meleia ao pescoço do animal e libertou-o. Mais resvalou o carro.
- Temo-la boa! Só os dois, neste toleiro!...
Pela graça de Deus uma roda empancou e evitou que o carro e o burro se virassem por completo.
- Vai ao ti Desidério que traga os bois!
O rapaz esgueirou-se de imediato, caminho acima.
Descarregaram o carro e atolados na lama até à cintura, lá o conseguiram puxar com a ajuda dos bois. O burro estava mais morto que vivo.
Voltaram a carregar o carro e puxado agora pela junta de bois e a muito custo, lá subiram em direcção às Feiticeiras. Quando, no alto, já mais aliviados:
- Pai! Tive medo daquele toleiro, podíamos lá ter ficado.
Tinha razão o rapaz, àquele Toleiro não voltava ele!