PEDRA LUZ
Rais te parta no pastor, cada vez estava mais maluco; a saber que andavam a parir, e andava quase em Vale da Sancha.
Botou-se ao caminho, inda eram bem duas horas até lá; e voltar, quatro horas.
- Dizes ao teu pai que fui buscar duas paridas, além da Fonte Botelha.
Tinha uma ideia do sítio.
O Jerumelo acompanhava-a, não tinha dado jeito para o gado, mas era um companheiro, sempre à espera da dona.
- Bom dia, vou-me buscar duas paridas pra lá do Noval.
- Tens que dizer ao pastor para andar mais perto, nesta altura.
- E eu não lhe digo? O meu Albérico até já se desentendeu com ele e tudo, mas é teimoso como o diabo.
O que valia é que as leiras andavam cheias de gente.
“- Ai! Valha-me Deus! Rais parta na perdiz, que me assustou.”
O Jerumelo arrancou desenfreado na peugada da ave.
O Pai Nosso interrompido, continuou: ”… venha a nós o vosso reino, assim na terra como…”
À poça do Noval encontrou o cunhado, o Avelino, de sacho na mão, e como que ficou esquecida do mundo.
O sacho, impelido pela força bruta, derrubava a beleza pura das margaças, golpeadas de todas as maneiras, parecia-lhe que ficavam a sangrar desordenadamente, enquanto o ferro frio assassino seguia a devastação, derrubadas e atiradas sem contemplação umas sob as outras à mistura com terra; definhavam após tudo terem inundado de vida e beleza. A tragédia era a norma da sua vivência, ninguém as queria, eram uma praga, mas obstinadamente regressavam até nova derrocada.
“- Ai meu Pai do Céu, que pensamento o meu, nem as ovelhas lhe pegam.”
- Ó Avelino, sabes onde é que é uma terra que lhe chamam a pedra que luze? O pastor deixou lá duas ovelhas paridas.
- É como lhe chamam os pastores, é! Desces o caminho junto à serra do minério, passas a Fonte Botelha, viras prá direita e vais na direção de Vale da Sancha. Lá no alto, naquele monte de fragas, é aí que lhe chamam o tal nome. Tem cuidado, que ainda é longe. Queres que vá contigo?
- Não, ainda anda por aí muito povo.
A reza continuava, enquanto a mão direita, no bolso do avental, dedilhava o rosário a cada pai-nosso.
Quando começou a descer ao lado da serra do minério, olhou em frente e era verdade! Com o reflexo do sol, lá ao longe viam-se coisas a luzir.
“- Pedras a luzir? Ele há cada uma!...”
Arrependeu-se de não aceitar a oferta do cunhado, ainda era longe e nem sabia se ia logo encontrar as ovelhas, que a algumas dava-lhes para largarem os cordeiros.
Ao passar a Fonte Botelha, no meio do caminho, um sapo gandarês.
“- Ai meu Pai do céu!”
E cuspiu três vezes para se livrar do coxo.
“-Tenho que voltar a dizer ao meu Albérico para falar com o pastor. Qualquer dia dá-lhe para ir com elas lá pró Cabeço, maluco dos infernos.”