A RECA
A mansa, escura, fria e húmida noite, já cansara os cães de esconjurar o próprio medo, as chaminés arrefeciam neste húmido e frio novembro.
No café de cima, alguém diz que se comia. Começa a contagem decrescente: pitas, coelhos, salpicão, presunto, alheira… só fica a lembrança, ninguém avança.
“- Só se for um reco!”
Alguém responde:
“- Estás maluco! A esta hora, onde é que vais desinquesir o reco?”
“ - O cunhado do Nelso disse-me que tinha lá três!...
Vamos, não vamos, como é que se traz? E onde se assa?
Ouve-se um ronco, a V5 para ao meu lado. Um aceno de cabeça, fica no ar um cheiro a óleo queimado, o ar congela os fígados.
Vale Frechoso, a porta abre-se e um vulto assoma à porta à procura de quem o incomoda. Vislumbra o Tó.
“ - Oh rapazes! Que é que vos aconteceu!”
O Tó atira:
“- Ouvi dizer que tens recos! Vendes-nos um?”
“ - Caraco, a esta hora? Só vós! Carai, se tendes vindo onte, lobei deis à feira e vendi-os, só tenho aí uma leitoa, mas está coberta, é para criar…”
O Tó não desarma:
“ - Quinhentos escudos!”
O homem vacila, os olhos piscam, sente as notas na mão. Quinhentos escudos, compra duas porcas e não é tarde para as levar ao berrão.
“- Não! É bem mandado, mas já está coberta.”
O Tó vira as costas e senta-se na V5:
“- Obrigado e desculpa lá o incómodo.”
O Homem sente a fuga dos quinhentos escudos e dá um murro na porta.
“- Oh carago! Também me custa, viestes a esta hora de Belhevai e eu não vos deixo de mãos a abanar. Levai lá a porca!”
Mata-se na adega e entrelaçada no meio dos dois, regressamos a Benlhevai.
Lavada e esventrada, entra para o forno da tia Laura por volta das três da manhã.
Os cães, guiados pelo cheiro, guardam a porta do forno. Lá dentro, na companhia do Lipólde, enchemos os foles de reco e vinho.
Terminada a comerzaina, alguém passa:
“- Bom dia!”
“- Boa noite!”
Vítor
V5 – a velhinha motorizada