Em Benlhevai, como em todas as aldeias, há meia dúzia de famílias. Se virmos bem as coisas, somos todos descendentes desses primeiros povoadores do século XIII. De vez em quando um moço ia casar fora, ou então uma moça era namorada por um moço de fora e cá casavam. Todos temos casos desses na história das nossas famílias, e aparece assim um nosso antepassado que veio de Santa Comba, Vale Frechoso ou outra aldeia próxima. Muito raramente se passava o limite geográfico do concelho.
Serve isto de introdução para a lenda da Senhora do Carrasco, porque a história passou-se com a família dos Teixeiras. Todos sabemos que nessa família sempre houve, em todas as gerações, alguém com veia de artista, ainda hoje assim é. Também é família de carpinteiros, que mais não são que artistas da madeira.
Há muitos anos, o Teixeira dessa época e um filho foram à lenha. Conhecedores da matéria, sabiam já que melhor lenha que a do carrasco não há. Foram então cortar um carrasco. O tronco ia servir para um qualquer fim na sua arte, e os ramos iam dar uma boa carrada de lenha.
Ao meter a serra, um puxa dum lado e outro puxa do outro, movimentos muito bem sincronizados, começam a ouvir gemidos. “Não pode ser, as árvores não sentem a dor”, disse o pai. Toca a continuar a serrar. Os gemidos vão aumentando, gemidos de dor. Confusos, sem saber o que fazer, fazem de conta que não ouvem, serram, serram, e o carrasco lá vem para casa.
Lenha grossa para um lado, esta vai servir para a arte, lenha miúda para outro, esta vai direitinha para o lume. O dia estava frio e uns guiços vão logo para a fogueira, enquanto acabam de descarregar o carro. Serviço terminado, os bois vão para a loje, quando de repente se vê uma fumarada a sair das telhas, correm para lá, por entre o fumo saem línguas de fogo. Tentam salvar o que podem, mas é demasiado tarde, a labareda está já demasiado forte, não há nada a fazer. A casa ardeu, e eles ficam todos queimados.
Foi castigo, pensaram. Os gemidos de dor não eram ilusão.
Foram então ao local onde tinham cortado o carrasco e construíram lá uma pequena capelinha. Do próprio carrasco que tinham cortado fazem uma santa, é a Senhora do Carrasco. No fim, com a terra que tinha ficado amontoada aquando do arranque do raízeiro, cobrem as partes queimadas do corpo. Quando chegam ao sítio onde tinham tido a casa, e onde agora tinham já começado a construir outra, vêem que todas as queimaduras tinham curado.
Reconstruíram a sua casa, e a partir daí, sempre que alguém de Benlhevai tinha alguma doença, punham um saquinho de terra ao pescoço, e sempre que curavam dessa doença, iam à Capela agradecer à Senhora do Carrasco, e deixavam pendurado no altar esse saquinho de terra.