Benlhevai

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Capítulo XX

Setembro, pássaros e ratoeiras

Por meados de agosto, a seguir ao Cabeço, que é sempre no dia 15, já se começam a ouvir os tralhões. As aludras ainda estão fundas, se calhar ainda nem as há, estão ainda os formigueiros cheios de crianças. Para quem não saiba, os tralhões são pássaros que vêm do norte da Europa e vão a caminho do sul. Estão por aqui cerca de um mês, o tempo suficiente para descansar, para engordar e muitos deles para irem parar ao prato. As aludras são as formigas de asa, que começam nesta altura a aparecer nos formigueiros, primeiro um ovo, branquinho, depois começa a aparecer uma formiga, também ainda branca, a criança, e depois fazem-se formigas grandes, pretas, maiores que as suas progenitoras, e com asas, que lá para fins de setembro hão de servir para saírem dos formigueiros, voar, e ir assim servir de alimento aos pássaros, a maior parte delas, e as que escapam irão dar início a um novo formigueiro. A Natureza está bem feita, não há dúvida.

Lá para fins de agosto já se sentem muitos tralhões, folecras, rabitas, mosqueiros, piscos, chedes, tanjasnas. Vai-se de manhãzinha, antes do nascer do sol, vão-se escolhendo os pousos, um ramo seco de castanheiro, as fraldas dos sobreiros, nas hortas um cantinho onde haja umas silvas, faz-se um rapadouro no chão, com o sacho, e arma-se aí a ratoeira. Abrem-se as asas da ratoeira, dão-se umas voltas ao baraço que prende o ponteiro, para ficar com a medida certa, se o baraço se parte arranja-se um pau de trabisco, e tira-se-lhe a casca para substituir o baraço, e encosta-se a ponta do ponteiro à ranhura que está na grileira. Nesta estão já presas duas ou três aludras com os cedanhos, que são os pelos do rabo dos machos, do rabo porque aí são mais fortes, e põe-se a ratoeira no chão, com a parte do ponteiro para trás. As aludras ficam a mexer, que a vontade delas era sair dali para fora, e vão servir de isco para os pássaros. Estes pousam nos ramos, voam por cima da ratoeira, desconfiados de tanta fartura, até que não resistem mais, vão comer as aludras, puxam, o ponteiro solta-se, as asas da ratoeira fecham-se de encontro ao pescoço do pássaro. Mais um para a cambulha, menos um para rumar a sul lá para fins de setembro, porque no dia 21 desse mês, dia de S. Mateus, deixa os pássaros que já não são teus. Também é cruel a Natureza. Para comermos carne tem que morrer um animal, nem que seja um bem pequenino, uma prifolha ou um chede, que só têm pele, ossos e penas.

Ao falar de pássaros estamos já a falar de setembro, que é o mês, como sabemos, em que secam as fontes e ardem os montes. É o último mês dos tais de três de inferno. Os campos estão escalabriados com o calor e a seca do verão, os feijões de horta estão em condições de ser degranhados, acarram-se as botelhas para a adega, apanham-se os feijões chícharos, e é por excelência o mês da fruta – melões, melancias, pêssegos, caranguejas, ameixas, maçãs de toda a espécie, peras, uvas, figos vindimos, que os lampos vieram no mês de junho, os maduros e os que vão para secar, mais ainda os que se apanham já secos nas figueiras, os cacarelos. Diz-se que do cerejo (junho) ao castanho (novembro) bem me eu amanho, mas do castanho ao cerejo, mal me vejo. Quer dizer que no primeiro caso há fartura no campo, e no segundo, tirando as laranjas, os medronhos, os pirogalos, uns grãozinhos duma erva rasteira, e os agreixós, uns pequenos tubérculos duma planta espontânea, não há mais nada no campo para roer.

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