Benlhevai

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Capítulo XVII
As segadas, acarreja, carro de bois e malhada

Junho é mês de colheitas. O centeio começa a estar pronto para as segadas. Na festa da Trindade, uma semana depois da nossa, já vinha o Peleiro, que ganhou este nome por andar de terra em terra a comprar peles dos borregos, cabritos, canhonas ou cabras que se matavam em datas festivas, a vender as seitouras e os dedais, que são de couro, para proteger os dedos da mão que agarrava o cereal. Estão a aparecer as primeiras camaradas de segadores. De Sanfins do Douro, de Lamego, ou aqui mais perto dos lados da Carrazeda, de Fontelonga ou da Lavandeira, chegavam uns já com patrão certo, outros que se sentavam no muro em frente ao sóto do Eduardo Sousa à espera que alguém os viesse contratar. Traziam chapéus, anéis e seitouras, cantigas da sua terra, um acordeão, uma viola, pandeiretas e esperança de arranjar trabalho.


É um trabalho duro, o das segadas! Mal começa a luzir o buraco, ou seja, aos primeiros sinais de luz, toca a levantar. Uns figos secos e um copo de aguardente serviam de mata bicho, e ala que se faz tarde. Ao chegar, ataca-se com genica o cereal ainda meio húmido da merujeira da manhã, aquela humidade que a terra sempre tem, para o patrão ver que fez bem ao contratar esta camarada. Com a cabeça quase colada ao chão, a mão esquerda agarra o cereal, todo aquele que pode abarcar, os dedos protegidos pelos dedais; A mão direita está unida ao cabo da seitoura, num movimento rápido ceifa o cereal, a mão esquerda avança, repete a ação, a direita não lhe fica atrás. O cereal é deixado em molhos, de maneira que se possam apertar com o bancelho, que é uma trança feita com a própria palha que fazia o efeito dum pedaço de corda, com cerca de metro e meio de comprimento. Quando o dia chegar ao fim, há de ver-se o trabalho feito contando as pousadas, sendo que cada pousada é um conjunto de cinco molhos.


Pelas 8 ou 9 horas chega a patroa com o almoço. Depois de tanto trabalho já feito, como é bom descansar as costas, aliviar as cruzes, e comer aquelas sopas de bacalhau, que a fome já aperta. Mas não é para demorar. O cereal já está bem seco, e assim o rendimento é bem maior. Volta-se ao trabalho, agora com mais vigor. A romeia do vinho começa a circular com mais assiduidade entre os segadores, e a água também. O aguadeiro, um que o patrão arranja, ou o mais fracote da camarada, encarrega-se de não deixar os homens com sede. O sol começa a apertar, os gorgomilhos a secar, os lábios ficam ressequidos, não há vinho que mate esta secura.

Entre a uma e as duas da tarde vem o jantar. Aí sim, na melhor sombra que estiver por perto, estende-se a manta. Tiram-se as cestas dos alforges do burro, testos das panelas para fora, o pão vai de mão em mão, e aquele cheiro a canhona velha refogada com batatas começa a recompensar as longas horas de esforço. Quando o primeiro cacho de batata entra na boca, questosinha, a seguir um cibo de chicha e depois um valente copo de vinho, a alma sobe ao céu, tamanho é o prazer.

Terminada a refeição, é hora da sesta. O corpos cansados rapidamente sucumbem ao sono, e nem o ressonar do capataz incomoda seja quem for. Quando este acorda, à hora certa, que a responsabilidade é sua, chama toda a camarada com um valente "Toca a levantar!", e lá vão todos recomeçar o trabalho. Pelas seis da tarde come-se a merenda, pão, queijo, um salpicão guardado para esta altura. Aqui não há tempo para descansar, um dos segadores começa a atar, e quando o dia começa a dar lugar à noite, chega finalmente aquela frase tão esperada Chega por hoje, rapazes!

Amanhã será um dia igual ao de hoje, o dia a seguir será igual ao de amanhã, e assim vai continuar até não haver mais trigo ou centeio para segar. O que vale é que Deus se lembrou de dar um dia de descanso por semana, que por estes lados do mundo é o domingo. Abençoada ideia, senão ninguém aguentava.

Com uns bailaricos pelo meio, ao som do realejo, em especial na noite de S. João, termina junho, o último dos nove meses de inverno. Em Macedo, na feira do S. Pedro, começa uma nova etapa. Terminadas as segadas da terra quente, procura-se patrão para as da terra fria, entre Macedo e Bragança. E começa julho, o primeiro dos três meses de inferno.

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