O Almocreve
O ALMOCREVE
Um almocreve, que era um homem que andava de terra em terra a vender azeite, chega a uma aldeia. Bate à primeira casa que encontra e responde uma voz de garoto:
- Entre, quem é.
O almocreve tira o chapéu, entra em casa, vê o garoto sentado ao lume, inclinado sobre uma panela daquelas de ferro, destapada, que o testo está ali ao lado no chão, e pergunta-lhe o que está a fazer.
- Estou a comer os que vêm e à espera dos que hão-de vir.
O almocreve fica de boca aberta, não compreendeu nada, e pergunta-lhe pelo pai.
- Foi à terra dos arrependidos.
Mau, mau, também não percebe o que o garoto diz, e pergunta-lhe pela mãe.
- Foi fazer uma visita a quem não lha torna.
Ora esta, que é que o garoto quer dizer? Pergunta-lhe então o almocreve se tem irmãos. O garoto diz-lhe que sim, que tem uma irmã.
- Então onde está a tua irmã? – Pergunta o almocreve.
- Está a chorar os gostos do ano passado.
Mas que é que o garoto quererá dizer? – O almocreve não percebe e pede-lhe que lhe explique tudo bem explicadinho.
- Só se me der 20 escudos! – Diz o garoto
Ao almocreve bem lhe custa, 20 escudos não os ganha num dia, mesmo que o negócio lhe corra bem, mas a curiosidade era tanta que lhe passa uma nota de 20 escudos para a mão, e o garoto começa a explicar:
1 - Estava a comer os que vinham e à espera dos que haviam de vir, o que quer dizer que estava a olhar para a panela que estava cheia com água a ferver, onde estavam a cozer feijões chícharos. No reboliço da água iam passando os feijões, que ia apanhando um a um e os ia comendo, ficando depois à espera dos que haviam de vir;
.2 - O pai tinha ido à terra dos arrependidos porque vinha de lá sempre arrependido. Se o pão estava bom, arrependia-se de não ter lavrado mais terra e sementado mais pão. Se o pão estava fraco, arrependia-se de ter sementado tanto;
3 - A sua mãe tinha ido fazer uma visita a quem não lha tornava porque tinha ido a um enterro;
4 - A sua irmã estava a chorar os gostos do ano passado porque estava a ter um filho.
O almocreve fica espantado com a esperteza do garoto e entrega-lhe os 20 escudos. Saiu-lhe cara a brincadeira. Levanta-se para se ir embora e ainda pergunta:
- Como te chamas?
- Não me chamo, chamam-me.
Ora esta, o garoto já está a fazer pouco de mim!...
- Queres que te diga? Já me vou embora! Diz-me só para onde vai esta estrada – e aponta para o caminho que quer seguir.
- Essa estrada não vai, as pessoas é que vão nela – responde o garoto.
O almocreve fica furioso. Segue para a porta, sai, vira-se para trás e pergunta:
- Olha lá, oh garoto! Nesta terra o que fazem aos garotos que são estúpidos?
- Vão todos para almocreves! – Responde o garoto.